Crianças, espaços e relações
Crianças, espaços, relações - como projetar ambientes para a educação infantil
Trago minha resenha deste livro, porque foi a partir da sua leitura, que iniciei um processo de reflexão sobre as formas como organizo os espaços na minha sala de aula e como possibilito as crianças explorarem e criarem neles.
O livro possui a nota de apresentação do secretário municipal de educação de Jundiaí - SP da gestão 2009-2012, e relata que as escolas de educação infantil de lá se inspiraram neste livro e em suas reflexões da proposta das escolas de Reggio Emília - Itália.
"Na escola de Educação Infantil é necessário que façamos um ambiente que registra não só resultados, mas também os processos de aprendizagem e construção de conhecimentos."
O livro está dividido em três blocos:
1. Palavras-chave;
2. Elementos de projeto;
3. Ensaios e contribuições.
No primeiro bloco, "palavras-chave" os autores sintetizam critérios gerais que são utilizados nos centros de educação infantil em Reggio Emília, destacando as características desejáveis à um ambiente para crianças pequenas. Conceitos como multissensorialidade, osmose, construtividade e comunidade são abordados.
Conceituam o espaço a partir de uma "estratégia de ação", tendo como objetivo criar um ambiente de empatia para ouvir as crianças e suas centenas de linguagens. Propõem a reflexão sobre uma nova forma de projetar espaços, que transcendem o tradicional, para que estes sejam mais agradáveis e flexíveis, acessíveis à infinitas experiências.
Baseiam-se na proposta de um ambiente híbrido, que misture os opostos, como dentro e fora, materialidade e imaterialidade. Assim, os espaços vão ganhando a identidade das pessoas que o compõem por meio das relações com o mesmo.
Esses espaços propiciam a riqueza das experiencias sensoriais, através da investigação e descoberta, que é fundamental na construção do conhecimento e formação da personalidade. Com um ambiente multissensorial, cada individuo pode adquirir consciência de suas próprias características de percepção. O espaço deve ser flexível e adaptável, aberto a novas possibilidades de criação e a novas marcas pessoais.
"Ele deve mudar e ser passível de modificação pelos processos de autoaprendizagem das crianças, e, por sua vez, interagir com estes processos e modificá-los."
Por se tratar de um ambiente coletivo, baseia-se na participação, no trabalho coletivo, na construção de valores e significados compartilhados. Buscam uma não hierarquia de espaços, mas sim, a horizontalidade deles, todos no mesmo plano.
A escola é vista como um espaço de pesquisa e experimentação, um laboratório de criação tando individual como grupal, onde o conhecimento é uma construção contínua, "que os indivíduos processam e organizam as informações recebidas, modificando-os e sendo modificado por ela."
No segundo bloco, os autores apresentam reflexões sobre os "elementos de projeto", discutindo sobre a distribuição espacial e a importância de elementos que transformam o ambiente com "qualidades agradáveis" que envolvem os sentidos dos indivíduos.
São abordadas as seguintes "qualidades agradáveis": formas relacionais, iluminação, cores, materiais, odores, sons e microclima.
Sobre as formas relacionais inicialmente é necessário criar uma atmosfera com uma identidade clara, que seja flexível e que possa relacionar-se com as mais diversas linguagens. Ressaltam novamente a importância de não criar hierarquias nos espaços, tendo todos em área plana, pois isso contribui para a manifestação física da democracia, dignidade e sociabilidade.
Apresentam o conceito de piazza, que para nós seria uma espécie de hall ou salão coletivo, que seria o centro da escola. Este espaço tem como objetivo auxiliar na formação de relacionamentos e criar experiências compartilhadas entre todos os indivíduos que compõem o ambiente da escola. Neste local, acontecem as exposições das criações e marcas das crianças, saindo do ambiente da sala de referência e do ateliê extravasando para escola inteira, criando um ambiente de pertencimento às crianças.
Sobre a mobília, apresentam o conceito de transformabilidade a curto prazo, com uso de divisórias, caixas, painéis de parede móveis, telas para brincar com sombras e projeções e outros móveis deslocáveis com rodinhas ou giratórios. E a transformabilidade de longo prazo que envolve a exploração de outros espaços dentro e fora da escola e a possibilidade de modificação física dos ambientes.
Nas escolas de Reggio Emília, são utilizados espaços de pesquisa, experimentação e manipulação de materiais, chamados de ateliê (abordarei este tema em um post futuro). Assim a escola é vista como um laboratório, não só no espaço do ateliê, mas em sua completude.
As relações entre escola e comunidade são fundamentais em Reggio Emília, sendo os espaços da escola utilizados fora do horário escolar para atividades da comunidade, como festas e eventos especiais.
Outro elemento importante é a forte relação entre os espaços internos e externos do prédio escolar, utilizando muito a transparência como portas e janelas de vidro, proximidade com a natureza do lado interno, como jardins de inverno e estufas e espaços filtros, como varandas (nossos solários).
A iluminação dos espaços é responsável por três dimensões perspectivas diferentes, sendo elas visibilidade, estética e sensação da passagem do tempo, por isso a importância de ambientes com janelas de vidro e outras formas de transparência, além da composição e geometria das luzes, podendo vir de cima, de baixo e lateralmente.
Por fim no terceiro bloco, os autores apresentam "ensaios e contribuições" sobre sobre a organização dos espaços e relações dos indivíduos com o mesmo. Os autores destes ensaios são:
Pedagoga Carla Rinaldi;
Arquiteto e designer Andrea Branzi;
Atelierista Vea Vecchi;
Professor de Psicologia Jerome Bruner;
Arquiteto Antonio Petrillo;
Artista Paolo Icaro;
Doutor em Bioengenharia Alessandro Santi;
Crítico de arte e design Alberto Veca.
Para finalizar, trago algumas citações de dois ensaios que mais me chamaram atenção e que valem muito a pena serem lidos na íntegra.
"Aprender deve ser agradável, atraente e divertido. A dimensão estética torna-se, então, uma qualidade pedagógica do espaço escolar e educacional."
"Os caminhos e processos de aprendizagens das crianças passam pela relação com o contexto cultural e escolar que, como tal, deve ser um "ambiente de formação", um lugar ideal para o desenvolvimento que valoriza esses processos."
Carla Rinaldi
"... é suficiente ter poucos elementos, compostos por diferentes materiais e cores, que possam ser movidos facilmente a fim e construir simbolicamente diferentes espaços e permitir que as crianças se projetem em novos mundos e relações."
"O chão é um espaço aberto, uma espécie de canteiro de obras que pode ser montado e desmontado, uma página em branco que pode ser desenhada e apagada com facilidade."
"Para crescer e aprender, o cérebro humano precisa ser estimulado por experiencias sensoriais que acontecem em um ambiente rico e variado.
Vea Vecchi
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